Na livraria, é raro o dia em que não nos perguntem se aceitamos enciclopédias para venda. Muito gentilmente, como quem se prepara para dizer um sacrilégio, informamos que, hoje em dia, as enciclopédias já não têm o valor merecido que antes usufruíam e o valor comercial é residual. Com a democratização do acesso online à informação, os veneráveis volumes que quase todos temos em casa perderam muita da sua importância e, acima de tudo, a sua exclusividade. Com efeito, são muitos os alfarrabistas, bibliotecas e associações caritativas que informam em letras garrafais que não aceitam enciclopédias para as suas atividades. O nosso conselho, porém, é que as pessoas não se desfaçam delas, nem que as vendam ao desbarato, pois, apesar da sua perda de estatuto, as boas enciclopédias persistem como fontes fiáveis e abrangentes, oferecendo uma fonte estruturada de conhecimento, com reputados especialistas e investigadores como contribuidores.
Na língua portuguesa, a popular Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura, cuja publicação se estendeu durante três décadas, entre 1963 e 1995, faz parte da memória genérica do país letrado, ou pelo, de todos aqueles que tinham a possibilidade de ir adquirindo os volumes paulatinamente, e era considerada um investimento tão seguro como o do próprio ouro. O advento da Internet e a proliferação de versões online e interativas traiu estas previsões e hoje olhamos para os volumes monstruosos que acumulam pó em casas cada vez mais minimalistas e exíguas como um estorvo.
A mais famosa de todas, a Encyclopedia Britannica, após a comemoração de dois séculos de existência, também sucumbiu à força do tempo e a última versão impressa data de 2010, data após a qual existe apenas em versão digital.
Hoje em dia, a enciclopédia online mais utilizada do mundo (e de acesso livre) é a Wikipédia, que na data em que escrevemos tem 1125373 artigos em português e 8241 editores ativos, todos voluntários. É a concretização de um projeto de colaboração global de valor incalculável e um verdadeiro exemplo da força da democratização do saber. É um bom ponto de partida e indiscutivelmente, o mais acessível. Porém, regra geral, existem falhas e omissões, que podem ou não ser tendenciosas, apesar dos procedimentos que a plataforma obriga os editores voluntários a seguir. Para além disso, meta-análises de estudos científicos dizem-nos que, sobretudo na leitura de textos informativos e por isso, mais complexos, a leitura é mais eficaz em formato impresso, pois não implica tanta dispersão, a grande desvantagem que associamos aos dispositivos eletrónicos.
Conclusão? O tempo não volta atrás e o futuro está claramente focado no digital. Mas o saber estruturado e impresso ainda não tem morte anunciada, por muito que existam vaticínios nessa matéria.
Na livraria, por motivos assumidamente sentimentais, temos algumas enciclopédias em exposição e venda, incluindo a já citada Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura. Em casa, em caso de dúvidas relativas à língua portuguesa, não dispensamos os três volumes do Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, que sempre nos valeu de forma muito mais segura do que as versões acessíveis online dos seus congéneres. Talvez isso faça de nós e, por consequência, da livraria, um espaço parado no tempo e resistente à mudança. Preferimos pensar que o futuro depende muito mais do passado do que imaginamos.
Ana Pereira