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Livros censurados, antes e agora

Escrito em 22 de Abril de 2024

Livros censurados, antes e agora

Por que motivo a censura continua na ordem do dia?

Todos nós temos (pre)conceitos e aplicamos uma forma de censura a tudo o que nos rodeia, consciente ou inconscientemente. 

Questionar as nossas ações e os princípios e valores que lhes estão subjacentes é o primeiro passo para desmontar preconceitos e atitudes censórias e é esse questionar salutar que regimes pouco saudáveis a nível democrático não possuem. Por isso, censuram, às claras ou não, tudo aquilo que lhes parece subversivo e, sobretudo, perigoso à sobrevivência do próprio regime, o que, na verdade, é a força motriz dos mesmos e não os já mencionados valores e princípios que deviam reger as nossas ações individuais e em grupo.

As livrarias, os livros e a literatura representam há muito tempo a liberdade de expressão e pensamento fundamentais em democracia e é um tanto poético que o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, que se celebra a 23 de abril se celebre a tão pouca distância do nosso 25 de Abril.

O Plano Nacional da Leitura (PNL) decidiu promover “A Noite dos Livros Censurados” a nível nacional entre os dias 22 a 28 de abril de 2024, na qual exorta todo o tipo de espaços como bares, centros culturais, associações, livrarias, bibliotecas, institutos, teatros e outros a promoverem um encontro onde se recordem, leiam e debatam as palavras de autores que foram censurados antes do 25 de Abril. 

Temos muito por onde escolher, infelizmente, da literatura adulta à literatura infantojuvenil. O exemplo mais conhecido a nível infantojuvenil é o de Luísa Ducla Soares. Esta foi detida pela PIDE ainda jovem numa manifestação estudantil e nunca deixou de pugnar por aquilo que acreditava, tendo visto um livro seu censurado, O Soldado João (1973) e, por esse motivo, recusado um prémio literário por uma outra obra, alegando que, embora agradecesse muito a distinção, não a poderia aceitar das mãos das mesmas pessoas que lhe censuraram livros. O Soldado João era um rapaz simples que queria viver em paz e não queria matar ninguém, desafiando as ordens do seus superiores com humor, alegria e solidariedade. Podemos imaginar por que motivo foi censurado.

No público adulto, dentro e fora do país, eram muitos os visados, desde Eça de Queirós, com o O Crime do Padre Amaro: cenas da vida devota (1875), passando por D. H. Lawrence e O Amante de Lady Chatterley (1928), por motivos ligados à moralidade e costumes. Mas também Bichos (1940), de Miguel Torga, que era apelidado de “escritor comunista” e que enviava os livros diretamente a Salazar para que este aferisse por si próprio se isso era verdade, ofendeu o Estado Novo com os seus contos profundamente existenciais, nos quais animais e humanos partilhavam as mesmas características, angústias e dilemas. Ou as “Três Marias”, Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa com Novas Cartas Portuguesas (1972), cujos escritos sobre a condição da mulher, mas não só, mereceram um processo contra as autoras, que apenas foram absolvidas após o 25 de abril.

Hoje em dia, a censura ainda não pousou o seu lápis azul e por motivos de revisionismo moral, vemos como o aclamado livro infantil O Livro da Família, de Todd Parr (2003), por figurar várias configurações de família para além da tradicional, como as que incluem dois pais e duas mães, foi um dos livros ilustrados mais censurados nas bibliotecas escolares EUA nos últimos anos. No outro extremo, a editora Puffin do também premiado autor de livros infantis, Roald Dahl, anunciou a revisão da linguagem presente nos seus livros de modo a apaziguar as sensibilidades contemporâneas em questões como o género, a violência, o peso ou a saúde mental.

Termino por onde comecei: todos nós censuramos, declaradamente ou não. A melhor forma de combater possíveis vieses é não deixar morrer a memória dos motivos pelos quais certos livros são banidos, em certos locais do mundo e em certos momentos da História.

Ana Pereira

(Este texto, com algumas alterações, foi publicado originalmente no jornal O Ilhavense, de 15 de abril de 2024)